domingo, 2 de abril de 2017

#5 Resenha: Chiclete pra Guardar pra Depois + Entrevista com a autora Andreia Evaristo

   Eai, galera! Hoje vamos conversar um pouco sobre um livro incrível da escritora Andreia Evaristo que é "Chiclete pra Guardar pra Depois".  
   Andreia é uma jovem escritora catarinense e professora de Língua portuguesa e literatura e língua inglesa. É cronista do jornal A Notícia e coordenadora de um projeto de escrita criativa de Joinville (SC). Eu poderia falar mais sobre ela aqui, mas a melhor maneira de conhecer Andreia foi lendo seu divertido livro, que contém 37 cônicas interessantes e profundas.



   Antes de começar a resenhar o livro, preciso dizer que eu quase não pude lê-lo antes. Num dia esperando o ônibus chegar para eu vir para São Paulo, minha avó aguardava comigo na rodoviária, até que por um segundo eu a vejo lendo meu exemplar do livro da Andreia, o mais interessante era ela dizendo "Você já leu? É muito divertido!"  e rindo. Queria deixar ela ler, mas eu precisava fazer isso antes dela, então prometi que assim quando eu a visitar de novo, eu levarei o livro para ela. 
   Não é que foi verdade o argumento de minha avó?! Comecei a ler o livro e a cada crônica, Andreia construía situações engraçadas e anedóticos. Ainda mais por ser situações que, nós leitores, possivelmente já passamos ou já pensamos sobre. Como por exemplo: Questões sobre a forma física, vícios, amores, fobias, relações familiares etc.
   Mas sobre o livro, ele conta com 37 crônicas, crônicas essas que possuem um alto teor de simplicidade um fundo de crítica social que podem ser subtendidas ou são extremamente diretas na escrita de Andreia. 
  Somos deparados no livro todo com uma problemática relacionada as questões do existencialismo e do madurecimento pessoal. Muitas dessas crônicas com esses temas nos fazem parar a leitura e entrar em uma profunda auto reflexão. O que é importante.    Temos também crônicas relacionadas a relações familiares, sentimentos exteriores, questões financeiras e sociais.    É um livro repleto de vivências do cotidiano, é uma boa para quem é um amante de crônicas e contos como eu. Senti uma qualidade literária tremenda na escrita de Andreia, é incrível a forma como ela tem afinidade com as palavras. Lembrou-me muito a experiência que eu tive lendo os textos do meu escritor favorito Antônio blog Juro que é o ultimo.
   Quero parabenizar a Editora Areia pelo exímio trabalho feito na edição desse livro, uma bela produção. O livro conta com ilustrações divertidas que transformam o livro numa leve brincadeira.
   As crônicas, como já disse, são fortes e tocantes, umas mais que as outras, algumas com alta crítica social e outras que relatam até momentos trágicos. Crônicas tristes e chocantes, mas que não perdem seu lado doce como um chiclete. Chiclete esse que Andreia discutia em suas crônicas ou deixava para nós, leitores, esboçar uma opinião, deixando o chiclete pra depois. (Fazendo uma brincadeira com o título do livro).
   Uma das partes que eu mais gostava eram as crônicas relacionadas ao ambiente de trabalho de nossa Andreia, que é a escola. Somos deparados com situações engraçadas do dia a dia de um professor, e momentos difíceis também. 
   Como a área da educação me interessa muito também, resolvi propor uma entrevista com a Andreia relacionada com a educação e seus afins. Então bora lá!
                                                ***

1. Por ser um livro de crônicas você precisa, não necessariamente, estar atenta a tudo. Na maioria das suas crônicas, existe um ponto de virada, uma quebra da realidade que faz com que a crônica leve outro rumo. Em relação aos acontecimentos cotidianos, como você fazia para anotar os imprevistos do dia a dia? Você costuma andar com um caderninho anotando o que está acontecendo?

 R: Desde que comecei a blogar (e lá se vai mais de uma década desde o primeiro blog), eu carrego bloquinhos e caneta ou lápis na bolsa o tempo todo. Inspiração para escrever está em todos os lugares – e não dá para confiar na memória. A gente sempre acha que vai se lembrar depois, mas – acredite em mim – não vai. A memória nos trai (e quanto mais velha eu fico, mais isso me parece verdadeiro).
Conheço pessoas que anotam no bloco de notas do celular, por ser mais prático, por ser um aparelho que está com a gente o tempo todo. Comigo, não funciona. Por mais viciada que eu seja em tecnologia (culpada!), esse tipo de coisa precisa ser escrita no papel. Tenho duas ou três ideias anotadas no bloco de notas do celular que eu nunca – nunca mesmo – me lembro de usar. Estão lá, perdidas no limbo. Talvez hoje eu as passe pro bloquinho de papel. Quem sabe assim elas não viram textos?

2. Como você estimula seus alunos a lerem? Alguma vez recomendou seus livros?
R: Hoje eu faço parte da direção da minha escola, então o funcionamento é um pouco diferente. Mas vou falar da minha prática quando eu ainda estava em sala.
Com os alunos do Fundamental, eu tirava uma das aulas da semana (eram quatro ao todo) unicamente para leitura. Acompanhava os alunos à biblioteca, ajudava (quem queria ajuda) na seleção dos livros, deixava os alunos livres para ler e lia junto (leitura silenciosa). Dá um baita trabalho no começo, porque os alunos entendem que é uma aula livre e querem conversar ou mexer no celular. Mas, com um pouco de paciência, um pouco de bronca e um grande exemplo, eles acabavam entrando no jogo e tomavam gosto pela coisa. A escolha do livro era sempre livre: lia-se o que quisesse, de HQs a clássicos.
Já no Ensino Médio, como são apenas três aulas por semana, é mais complicado dispor de uma das aulas exclusivamente para leitura. Assim, o que eu fazia era combinar com os alunos uma leitura obrigatória por bimestre. A ideia era mesclar os grandes clássicos da literatura em Língua Portuguesa com livros best-sellers contemporâneos. Assim, meus alunos liam, por exemplo, O Cortiço, mas também liam Divergente. Se o professor souber trabalhar a questão das facções, elas se enquadram perfeitamente com o determinismo trazido pelo período do Realismo na obra de Aluísio Azevedo.
Hoje em dia, já com meus livros publicados (apenas o Chiclete pra guardar pra depois está em formato físico, mas tenho outros em ebooks), muitas vezes, quando falta professor e a turma concorda, eu me disponho a ler minhas obras em sala de aula. O retorno é imediato! Vejo que, em minha escola, há um crescimento no número de alunos que se interessam por ler e escrever literatura. Acho ótimo.

3. “Chiclete pra guardar pra depois” reúne várias crônicas que se passam no seu ambiente de trabalho, a escola, como você lida com situações inusitadas nesse ambiente? Como por exemplo conflitos ou situações engraçadas.
R: Como professora, sempre estive atenta a tudo o que se passava com meus alunos. Sou do tipo que faz parte da galera, sabe? Talvez justamente por isso, os alunos nunca hesitaram em me contar as situações pelas quais passavam, fossem elas boas ou ruins. Sempre que eu posso ajudar, eu o faço. Infelizmente, há situações que fogem do nosso controle.
Contudo, algumas vezes, me apropriei de situações dramáticas vividas pelos alunos para adaptar em contos ou crônicas. É nessas horas que vejo o quanto a arte pode ter o poder de terapia, de curar: a reação dos alunos quando se sentem representados nos textos é impagável. Não consigo nem descrever.

4. Por ser uma escritora e professora de língua portuguesa, você consegue identificar potencial de escrita em seus alunos? Se sim, o que faz para estimular e até desenvolver um escritor? 
R: Sim, o tempo todo. Toda semana, algum aluno me procura para me mostrar algum escrito, um poema, um trecho de um conto, algo do tipo.
Nos anos anteriores, eu cheguei a criar uma oficina de escrita literária na minha escola, para receber os alunos interessados não apenas da minha unidade escolar, mas da comunidade em geral. A oficina durou dois anos. Esse ano (2017), infelizmente, ela precisou ser interrompida. Mas ainda tenho planos de ressuscitá-la, num futuro não muito distante.

5. Em muitos casos brasileiros, estudantes do ensino fundamental são “desmotivados” a ler devido à grande cobrança de seus professores a lerem obras complexas e inadequadas aos seus alunos, qual é a melhor maneira de reverter esse quadro? Você acha que cada pessoa tem seu tempo para entrar nesse mundo maravilhoso que é da leitura, literatura?
Eu acho que a escola peca em empurrar goela abaixo obras para as quais os alunos não estão preparados, sem provocar curiosidade antes. Os alunos do Ensino Médio, por exemplo, dão conta de ler os clássicos. Mas eles precisam ser instigados a isso. Precisam de uma motivação extra, uma pulguinha de curiosidade. Se o professor souber fazer isso, eles dão conta muito bem.
No fundamental, a coisa precisa ser mais leve. Biblioteca nunca deveria ser espaço de castigo. NUNCA! Leitura é prazer, é degustação, não pode ser usada para ferir. Eu acredito que cada pessoa tem sua história com a leitura. Acredito que o professor precisa parar um pouco de achar que apenas alta literatura é valiosa. Um aluno que leia 600 páginas de livros mais técnicos ou filosóficos é menos leitor que aquele que lê 600 páginas de clássicos? Não na minha opinião.
Uma das maneiras de reverter o quadro triste da não-leitura no Brasil é começar a perguntar para os alunos o que eles querem ler. Outra é o professor ser exemplo: professor que nunca é visto lendo, nunca é visto com livro na mão, vai cobrar do aluno como? Faz o que eu digo e não faz o que eu faço? Outra forma é “glamourizar” a leitura: se os alunos virem um professor e um aluno (ou dois professores) discutindo as diferenças entre as cenas do livro e do filme, por exemplo, eles podem acabar se interessando. Tentar aproximar os conceitos clássicos de obras contemporâneas é outra forma interessante.
Enfim, existem muitas estratégias. Basta um pouco de força de vontade e mente aberta por parte do professor (essa segunda é a mais difícil).

6. Sobre clássicos, atualmente tem se notado uma crítica em relação à adaptação de livros clássicos para crianças e jovens que não “conseguem” ler os clássicos em si. Qual sua opinião em relação a isso? Você acha que ler uma adaptação de Machado de Assis perde o valor da obra?
Sou contra a adaptação dos clássicos, de um modo geral. Um livro adaptado nunca terá o mesmo valor que o livro original. Além disso, sempre que facilitamos a leitura para o cidadão médio, acabamos “emburrecendo” o pensamento coletivo. Não precisamos facilitar leituras para as pessoas; precisamos, sim, instrumentalizar as pessoas para que, em pouco tempo, elas consigam dar conta de textos mais complexos.
Contudo, eu abro uma única exceção nas adaptações: histórias em quadrinhos, adaptando clássicos para instigar crianças – veja bem, crianças!, não é para facilitar a leitura do jovem que tem preguiça – é uma boa alternativa para aguçar a curiosidade dos pequenos e colocá-los em contato com grandes nomes da literatura mundial.
Vamos usar Machado de Assis, como exemplo. A cada leitura que eu faço de Dom Casmurro – e olha que já fiz várias – eu encontro novos argumentos para compreender que os ciúmes de Bentinho criaram essa ilusão de que Capitu o traiu e que, como a história é contada sob o ponto de vista do ciumento, nunca saberemos com certeza se houve ou não traição. Mas, se eu adaptar a obra, todas essas pistas e nuances podem se perder, entende? Uma obra não se torna um clássico por acaso. Há muita coisa envolvida quando se torna de marcar uma época e transpassar gerações. Adaptações acabam facilitando o pensamento das gerações futuras e negando-lhes a oportunidade de pensar complexamente.
                                              
                                                      ***
   É com essa singular entrevista que terminamos a resenha de hoje. 
   Eu recomendo esse incrível livro para todos os tipos de pessoas e, especialmente, para aqueles que admiram e curtem crônicas. Chiclete pra guardar para depois conseguiu me tirar de uma baita ressaca literária e me deixou com um gostinho de quero mais. Não vejo a hora de poder me aventurar nas outras obras da nossa querida catarinense. Muito obrigado por essa experiência Andreia. 
   Quem quiser comprar seu livro pode acessar seu lindo blog (clique aqui). Em seu blog, Andreia escreve dicas para novos escritores e conta um pouco mais sobre sua vida.
   É isso então, leitores. Espero que tenham gostado, e aguardem a próxima resenha do livro da Andreia que será "Allegra: Antes do play"  (já perceberam que ela só tem títulos instigantes?! haha)

4 comentários:

  1. Se eu amei? Eu amei muito!
    Muito obrigada, Renan, pelo carinho, pela leitura atenta e sensível, pelas palavras de apoio. São muito importante pra mim.
    Ah, e não se esquece de mandar um beijo pra linda da sua avó. <3 hahahahh
    Te vejo em "Allegra".
    Beijo grande.

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    Respostas
    1. Muito obrigado por tudo, obrigado por me proporcionar uma experiência especial <3
      Pode deixar haha

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  2. Só de ler já admiro a Andreia e principalmente sua atuação na área da educação, não seríamos nada sem pessoas como ela! E parabéns Renan, novamente escolhendo as melhores palavras e o melhor jeito de produzir suas resenhas: despertando a curiosidade.

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